segunda-feira, 29 de março de 2010

Metade
(Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio
que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca


porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.


Que a música que ouço ao longe
seja linda ainda que tristeza
que a mulher que amo seja pra sempre amada
mesmo que distante


porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
apenas respeitadas como a única coisa
que resta a um homem inundado de sentimentos


porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
e que essa tensão que me corrói por dentro
seja um dia recompensada


porque metade de mim é o que penso
mas a outra metade é um vulcão.


Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso
que eu me lembro ter dado na infância


porque metade de mim é a lembrança do que fui
a outra metade não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
pra me fazer aquietar o espírito
e que o teu silêncio me fale cada vez mais


porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer


porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.


E que a minha loucura seja perdoada

porque metade de mim é amor
e a outra metade também.

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