terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

"estrupo"

A menina tem 10 anos de idade e se pinta como mulher. Blush, sombra, rímel e batom. Todos em tons vibrantes dado o seu baixo preço de custo.
A menina tem 10 anos de idade e se veste como mulher. Bijouterias chamativas, mini-saia e decote.
A menina tem 10 anos de idade e vê-se mulher:  "Eu não sou criança! Deixei de ser menina quando menstruei!".
A menina tem 10 anos de idade e rivaliza com a mãe, no pior estilo mulher x mulher: "Ela é uma idiota!"- e ri, com sarcasmo.

O pai tem 40 anos de idade e compra a maquiagem para a filha. Todas as semanas escolhe o batom em um tom de vermelho a combinar com o esmalte da semana.
O pai tem 40 anos de idade e abriu um crediário na loja do bairro para a filha andar de acordo com os modelos da estação.
O pai tem 40 anos de idade e diz tratá-la como criança: "Ela é a minha menina e para mim sempre será! 
É a filhinha do papai, não é, filhinha?!"-, ela sorri, consentindo.
O pai tem 40 anos de idade e diz não haver rivalidade alguma entre mãe e filha: "Elas se dão bem! Só discutem por assuntos bobos como escola, arrumação da casa... essas coisas!"'.

A menina de 10 anos de idade tem mais 3 irmãos e uma mãe morando consigo no barracão de 4 cômodos.
As "discussões por assuntos bobos" com a mãe e a separação do casal provocaram a divisão da casa: 
em um quarto, a mãe e os demais, no outro, ela e o pai. 
Um fino lençol foi improvisado como porta para a suíte. No quarto, a cama que devia servir ao casal pai-mãe, passa a funcionar para pai-filha. Ainda se vê abajour, tapete e ventilador, tudo na mais perfeita organização. A menina de 10 anos de idade é dedicada. É ela quem cozinha para o pai de 40 anos de idade. A refeição é diferente da dos outros moradores da casa. Feita no fogão a gás, não falta carne e não falta refrigerante.
A mãe dorme com os demais no colchão ao chão. No quarto não tem janela. O ventilador ficou no quarto do casal. A desordem é inerente a um lugar que abriga quatro pessoas, sendo ela e outras de 1, 6 e 7 anos de idade, todos do sexo masculino. Ela cozinha no fogão a lenha, este localizado no lado de fora da casa, assim como o banheiro. A refeição é composta por doações da igreja protestante e, quando muito, da xepa comprada após a faxina na casa da vizinha. Carne e refrigerante passaram a ser luxo para a festa de aniversário.

A denúncia parte da mãe: recebeu uma notificação da escola da menina de 10 anos de idade dada a sua infrequência nos últimos dias. Foi advertí-la, e ambas, novamente, desentederam-se. O pai de 40 anos de idade foi novamente contra ela. Novamente não sabia como agir e receava ser presa.
Pouco falava, limitando-se a responder somente o perguntado. Fitava o chão todo o tempo. 
Os três meninos corriam pelos corredores do serviço público. Brigavam, faziam as pazes e vice-versa. 
Curiosos, entravam em cada sala que encontravam com a porta aberta.
A mãe foi devidamente orientada, novo atendimento foi agendado e a solicitação para o comparecimento da menina de 10 e o pai de 40 anos de idade encaminhada em envelope lacrado.

Três dias depois, retorna, desacompanhada. Ainda mais cabisbaixa e arredia, com os olhos marejados e, sob eles, o roxo nas pálpebras, vinha passar o recado do pai de 40 anos de idade: o problema havia sido resolvido, "não precisavam da ajuda de ninguém, não!".
Foi agredida fisicamente quando entregou a solicitação ao pai de 40 anos de idade. 
Recusou-se procurar a Polícia para o registro da ocorrência. Alegava não ter sido a primeira vez que aquilo acontecia e que Jesus Cristo resolveria tudo ao final, bastava dobrar os joelhos no chão da Igreja e orar, orar, orar...
A essa altura, o Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente foi acionado. Os pais teriam que esclarecer a repentina queda de aprendizado dos três meninos na escola municipal e a seguidas faltas da menina de 10 anos de idade.

Toda a família numa sala perante a Conselheira Tutelar mais experiente. A Advogada é acionada.
Para dizer o direito, é preciso que os fatos sejam apresentados. Todos mantinham-se silentes e cabisbaixos.
A menina de 10 e o pai de 40 anos de idade, sentados lado a lado, trocavam olhares. Olhares cúmplices. Vez ou outra cochichavam e, em seguida, ouviam-se risadinhas entre eles. Seus joelhos se tocavam e mantinham-se em contato todo o tempo.
A mãe tratava de manter quieto o menino de 1 ano. Os demais, estavam mudos e estáticos.
Realmente, havia algo de muito estranho no ar...

Apresentei-me, perguntei nomes, idades e questionei aos pais o motivo de estarmos todos alí. Ambos, silentes. A Conselheira não compreendeu minhas intenções e pôs-se a falar desenfreadamente. A demanda, a princípio, seria quanto as questões escolares e a possibilidade de admoestação judicial e, em ultima ratio, a configuração do delito de Abandono Intelectual. 
O pai de 40 anos de idade, de imediato, defendeu-se, atribuindo à mãe, toda a responsabilidade sobre tal questão. A filha de 10 defendeu o pai de 40 anos de idade com convicção. Os meninos passaram a discutir entre si. O menino de 1 ano de idade começou a chorar. A mãe silenciou em definitivo quando a filha de 10 anos de idade atribuiu-lhe, aos gritos, toda a culpa por aquela "cena ridícula!".

Não estavam de todo flagrantes a Alienação Parental contra a menina de 10 e o Abandono Material contra os demais por parte do pai de 40 anos de idade. 
Este saiu revoltado com a possibilidade de ser acionado judicialmente, e, após assinar termo para ajustamento de conduta, comprometeu-se a fornecer alimentação devida a todos os membros da sua família, sem distinção, e, ainda, a dividir o fogão a gás. Passaria a dormir em separado da menina de 10 anos de idade, no sofá da sala de estar, cedendo o quarro maior para a mãe e os demais. A menina, por sua vez, passou a chorar em desespero, e a dizer que "não ficaria longe do papai!", mirando a mãe com um ódio de arrepiar...

Dias depois, comparecem para novo atendimento. Os mantimentos foram providenciados, a mudança do quarto, ainda não. O pai de 40 anos de idade era novamente advertido, dessa vez, numa sala em separado, sutilmente fí-lo crer que toda aquela situação sugeriria um caso de Incesto, e, para além, de Estupro de incapaz.
"Não, não, estrupo não!"-, repetia, assustado e negativamente.

O Conselho Tutelar encaminhou o caso para conhecimento e apreciação do Ministério Público da Vara da Infância e Juventude. Em poucos dias foi determinada a realização de Exame de Corpo de Delito em todos os infantes. Resultados: negativos, inclusive para a menina de 10 anos de idade. 
Não havendo provas, o MP não vislumbrou quaisquer hipóteses de violência aventadas. 
A Psicóloga então encaminhou novo relatório dizendo sobre os atendimentos realizados com mãe, filhos e a menina de 10 anos de idade, preservando seu sigilo profissional. Posicionava-se, contudo, assertiva quanto a Alienação Parental, e fazia alguns apontamentos sobre o suposto Incesto/Estupro.
O EDC é prova técnica, contudo, determinados atos obscenos não são passíveis de serem identificados por seu intermédio, haja vista beijos e toques lascivos, assim me manifestei no relatório.


Há três anos eu atendia e orientava familiares e/ou pessoas vítimas de violência psicológica, física e sexual. Digamos que meu olhar tenha ficado mais observador e atento para comportamentos humanos. Neste caso, em específico, meu olhar fitava o mesmo ponto que a Psicóloga e a Conselheira Tutelar, assim como os olhos roxos da mãe, os olhos pintados de maquiagem barata da menina de 10 e os olhos sem descrição do pai de 40 anos de idade.
Vou pessoalmente despachar o caso com Vossa Excelência. 
O Judiciário não debruçou o seu olhar sob o caso.
Processo com baixa no sistema.

L.C.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

adotada

Ela, ao acordar, vai ao banheiro fazer a higiene pessoal ritualística: lava o rosto com um sabonete próprio, escova os dentes com creme dental importado, penteia os cabelos e usa um leave-in indicado por um especialista. Seu perfume é o Poison, da Dior ou o Hypnôse, da Lancôme. Nacional, o Ototemo, da L'acqua di Fiori. E, mesmo sem perfume, ela mantém o cheiro de limpeza.

No café da manhá tem iogurte, fruta e, por fim, café preto com pão de sal, muçarela e peito de peru defumado.
Após, liga a tv para saber as notícias do/e pelo mundo. Não mais acompanha novelas.
Preserva os vinis de música francesa e bossa nova. Amante dos olhos do Chico, diverte-se quando conta como conheceu Gil, este vestido com uma calcinha de renda vermelha disfarçada por uma calça legging branca, logo, transparente! 
Então vai para a varanda tomar sol (antes: filtro solar fator 30) e fazer leitura quando não da Bíblia, de algum livro chato. Não podemos esquecer que ela estudou Latim, Psicologia Forense e Francês nas faculdades.

Seus horários são alternativos, posto que almoça, geralmente, às 14 horas. Todas as refeições são realizadas à mesa, com o manejo correto dos talheres. No seu almoço não raro ter frutas na salada, entre melão, abacaxi e pêssego. 
Não come feijão em função da má digestão. É muito comum o uso de creme de leite e queijo nos pratos. Prefere suco natural de manga a qualquer refrigerante. Como sobremesa, quindim ou trufa de licor de chocolate. A propósito, após a sua conversão para o Protestantismo, essa tem sido sua única ingestão de álcool. 

Quando da sua conversão da fé católica para a evangélica, imagine-a uma nova crente fanática. 
Não, e muito pelo contrário. Ao retornar dos cultos, aos domingos, normalmente faz críticas para os discursos dos pastores outros que não aquele com formação em Teologia (ainda assim, eventualmente para este reserva boas críticas). Ela é fanática por quem tem formação superior e dela faz bom uso.

Aos 17 anos, recusando o posto de "dona de casa e esposa ideal", partiu para a nova capital nacional a fim de escapar do provincianismo mineiro. Por lá estudou na UDF, estagiou na Caixa Econômica e realizou-se na Polícia Federal. Trancou a faculdade de Pedagogia quando, no último período, percebeu que a vocação para o Magistério havia ficado em terras mineiras, vindo a descobrir no Direito sua real vocação. Seria uma Promotora de Justiça ou Delegada Federal se não ficasse, natural e surpreendentemente grávida, aos 36 anos de idade!

Ora, não estava dentre os seus planos ser Mãe! Era, então, mulher de um tipo playboy que, vindo do Mato Grosso, filho de deputado federal e afilhado do Presidente da Câmara dos Deputados, correspondia a mais um daqueles típicos estudantes de Direito de merda! Essa foi sua maior fraqueza.
Quando descobriu-se grávida, com avançada idade para a época e riscos inerentes a essa condição, restava o último período do curso, este correspondendo apenas a feitura do estágio. Não pensou muito e... trancou a faculdade!
O engomadinho queria casamento, ela, não. Durante os 8 meses de gestação pôde (re)conhecê-lo e ver que se daria muito melhor na companhia daquela nova vida. Ele, ressentido, jamais a perdoou pela dispensa sumária.

Honrou todos os cuidados da nova vida com valentia! Passou por um sem número de obstáculos, dissabores e privações. Com seu dinamismo, sapiência e honradez, à nova vida conferiu princípios, valores, educação e proporcionou oportunidades as mais diversas para desenvolver-se muito bem, obrigada, sem contar com mínima ajuda do engomadinho! Ao contrário do que muitos podem imaginar, os dois ainda hoje tratam-se civilizadamente. Sobre isso, ela sentencia: "- a escolha foi minha! Não tenho motivos para tratá-lo mal!".

Ela sempre esteve à frente do seu tempo. Tem convicções nada embaraçadas sobre aborto, prisão perpétua e pena de morte: é favorável, porém, como boa mineira, apresenta condições e aponta saídas outras.
Ela possui uma fina ironia para a política. É discreta quando retrata momentos do impeachment do Collor, posto que frequentava a Casa da Dinda para comercializar ouro, conhecendo, assim, os bastidores de todo aquele teatro fantasmagórico. Sobre a volta do Renan Calheiros ao Senado, restringe-se a comentar que a sua antiga cliente de joias,Verônica Calheiros, deve estar imensamente realizada.
Não é peemedebista, tucana, tampouco, Lulista. Apartidária, muito menos. Ela é constitucionalista. 
Patriota, recentemente vibrou com a volta do Scolari na Seleção Brasileira de Futebol.

Entendida de futebol, da arbitragem ao posicionamento do gandula, torce contra o Atlético Mineiro e a favor do Cruzeiro, em segundo plano. Eis revelado outro seu fanatismo.
Ela tem sonhos. Misteriosa e discreta, não os revela. Sua discrição perpassa pelos seus gestos, modo de se vestir e até mesmo no falar. O seu português é escorreito. Seu vocabulário é rebuscado. Não há sotaque, salvo um erre dobrado, resultado da convivência com o compadre peruano.
É saudosista e emociona-se facilmente ao rememorar suas lembranças da juventude, quando matava aula de direito, faltava no estágio na CEF ou saía com o pessoal da PF para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 1978, em que tristemente a Argentina sagrou-se campeã. 
Ela é alva e sardenta. Seu cabelo ainda hoje apresenta tons ruivos. Veste-se discretamente, considerando o sobrepeso. Preserva a feminilidade no uso de jóias, unhas e maquiagem igualmente discretas.

Em 15 de outubro último viu a Mãe dar os últimos suspiros de vida no seu colo. 
Apesar de todas as discordâncias ao longo das vidas, puderam nestes últimos anos aproximarem-se e melhor compreenderam-se. Na realidade, as discordâncias partiam das suas semelhanças: a mãe dela separou-se do marido nos idos de 1950, passou a trabalhar como comerciante para custear o sustento dos 12 filhos, era valente, com opiniões formadas e ativa. Discordavam no futebol: era a mãe atleticana das mais fanáticas!

Ela toma chá de erva mate com limão ou com leite, acompanhado por torradas com geleia, estas substituídas somente pelo pão de queijo mineiro.
Das comidas chinesa e italiana conhece bem. Sabe distinguir as taças para os tipos de vinho. Como jantar, não janta, para poder dormir com leveza.

Preza o bom sono. Sua cama lembra aquelas de propaganda de cama king size, edredon 300 fios e travesseiro plumas de ganso Daune.
Dorme calma e silenciosamente às 23 horas e somente perde a linha quando vê a filha chegar em casa às 2 da madrugada.
Sim, não resta mais quaisquer dúvidas: eu sou adotada!

L.C.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Meus Amigos são conceituados Chefs de cozinha quando chegam em casa bêbados, na madrugada. Vide menu:

- batata Rufles triturada na omelete;
- gordura de porco confundida com doce de leite;
- compra de feijão cru na padaria;
- esquentar a janta na forma de bolo com furo no meio;
- arroz doce com catchup;
- tablete de caldo de galinha cru como aperitivo;
- sorvete com azeite como calda;
- creme de leite como paté no biscoito de sal.

Impossível não amá-los! Huahuahauauha...