segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

adotada

Ela, ao acordar, vai ao banheiro fazer a higiene pessoal ritualística: lava o rosto com um sabonete próprio, escova os dentes com creme dental importado, penteia os cabelos e usa um leave-in indicado por um especialista. Seu perfume é o Poison, da Dior ou o Hypnôse, da Lancôme. Nacional, o Ototemo, da L'acqua di Fiori. E, mesmo sem perfume, ela mantém o cheiro de limpeza.

No café da manhá tem iogurte, fruta e, por fim, café preto com pão de sal, muçarela e peito de peru defumado.
Após, liga a tv para saber as notícias do/e pelo mundo. Não mais acompanha novelas.
Preserva os vinis de música francesa e bossa nova. Amante dos olhos do Chico, diverte-se quando conta como conheceu Gil, este vestido com uma calcinha de renda vermelha disfarçada por uma calça legging branca, logo, transparente! 
Então vai para a varanda tomar sol (antes: filtro solar fator 30) e fazer leitura quando não da Bíblia, de algum livro chato. Não podemos esquecer que ela estudou Latim, Psicologia Forense e Francês nas faculdades.

Seus horários são alternativos, posto que almoça, geralmente, às 14 horas. Todas as refeições são realizadas à mesa, com o manejo correto dos talheres. No seu almoço não raro ter frutas na salada, entre melão, abacaxi e pêssego. 
Não come feijão em função da má digestão. É muito comum o uso de creme de leite e queijo nos pratos. Prefere suco natural de manga a qualquer refrigerante. Como sobremesa, quindim ou trufa de licor de chocolate. A propósito, após a sua conversão para o Protestantismo, essa tem sido sua única ingestão de álcool. 

Quando da sua conversão da fé católica para a evangélica, imagine-a uma nova crente fanática. 
Não, e muito pelo contrário. Ao retornar dos cultos, aos domingos, normalmente faz críticas para os discursos dos pastores outros que não aquele com formação em Teologia (ainda assim, eventualmente para este reserva boas críticas). Ela é fanática por quem tem formação superior e dela faz bom uso.

Aos 17 anos, recusando o posto de "dona de casa e esposa ideal", partiu para a nova capital nacional a fim de escapar do provincianismo mineiro. Por lá estudou na UDF, estagiou na Caixa Econômica e realizou-se na Polícia Federal. Trancou a faculdade de Pedagogia quando, no último período, percebeu que a vocação para o Magistério havia ficado em terras mineiras, vindo a descobrir no Direito sua real vocação. Seria uma Promotora de Justiça ou Delegada Federal se não ficasse, natural e surpreendentemente grávida, aos 36 anos de idade!

Ora, não estava dentre os seus planos ser Mãe! Era, então, mulher de um tipo playboy que, vindo do Mato Grosso, filho de deputado federal e afilhado do Presidente da Câmara dos Deputados, correspondia a mais um daqueles típicos estudantes de Direito de merda! Essa foi sua maior fraqueza.
Quando descobriu-se grávida, com avançada idade para a época e riscos inerentes a essa condição, restava o último período do curso, este correspondendo apenas a feitura do estágio. Não pensou muito e... trancou a faculdade!
O engomadinho queria casamento, ela, não. Durante os 8 meses de gestação pôde (re)conhecê-lo e ver que se daria muito melhor na companhia daquela nova vida. Ele, ressentido, jamais a perdoou pela dispensa sumária.

Honrou todos os cuidados da nova vida com valentia! Passou por um sem número de obstáculos, dissabores e privações. Com seu dinamismo, sapiência e honradez, à nova vida conferiu princípios, valores, educação e proporcionou oportunidades as mais diversas para desenvolver-se muito bem, obrigada, sem contar com mínima ajuda do engomadinho! Ao contrário do que muitos podem imaginar, os dois ainda hoje tratam-se civilizadamente. Sobre isso, ela sentencia: "- a escolha foi minha! Não tenho motivos para tratá-lo mal!".

Ela sempre esteve à frente do seu tempo. Tem convicções nada embaraçadas sobre aborto, prisão perpétua e pena de morte: é favorável, porém, como boa mineira, apresenta condições e aponta saídas outras.
Ela possui uma fina ironia para a política. É discreta quando retrata momentos do impeachment do Collor, posto que frequentava a Casa da Dinda para comercializar ouro, conhecendo, assim, os bastidores de todo aquele teatro fantasmagórico. Sobre a volta do Renan Calheiros ao Senado, restringe-se a comentar que a sua antiga cliente de joias,Verônica Calheiros, deve estar imensamente realizada.
Não é peemedebista, tucana, tampouco, Lulista. Apartidária, muito menos. Ela é constitucionalista. 
Patriota, recentemente vibrou com a volta do Scolari na Seleção Brasileira de Futebol.

Entendida de futebol, da arbitragem ao posicionamento do gandula, torce contra o Atlético Mineiro e a favor do Cruzeiro, em segundo plano. Eis revelado outro seu fanatismo.
Ela tem sonhos. Misteriosa e discreta, não os revela. Sua discrição perpassa pelos seus gestos, modo de se vestir e até mesmo no falar. O seu português é escorreito. Seu vocabulário é rebuscado. Não há sotaque, salvo um erre dobrado, resultado da convivência com o compadre peruano.
É saudosista e emociona-se facilmente ao rememorar suas lembranças da juventude, quando matava aula de direito, faltava no estágio na CEF ou saía com o pessoal da PF para assistir aos jogos da Copa do Mundo de 1978, em que tristemente a Argentina sagrou-se campeã. 
Ela é alva e sardenta. Seu cabelo ainda hoje apresenta tons ruivos. Veste-se discretamente, considerando o sobrepeso. Preserva a feminilidade no uso de jóias, unhas e maquiagem igualmente discretas.

Em 15 de outubro último viu a Mãe dar os últimos suspiros de vida no seu colo. 
Apesar de todas as discordâncias ao longo das vidas, puderam nestes últimos anos aproximarem-se e melhor compreenderam-se. Na realidade, as discordâncias partiam das suas semelhanças: a mãe dela separou-se do marido nos idos de 1950, passou a trabalhar como comerciante para custear o sustento dos 12 filhos, era valente, com opiniões formadas e ativa. Discordavam no futebol: era a mãe atleticana das mais fanáticas!

Ela toma chá de erva mate com limão ou com leite, acompanhado por torradas com geleia, estas substituídas somente pelo pão de queijo mineiro.
Das comidas chinesa e italiana conhece bem. Sabe distinguir as taças para os tipos de vinho. Como jantar, não janta, para poder dormir com leveza.

Preza o bom sono. Sua cama lembra aquelas de propaganda de cama king size, edredon 300 fios e travesseiro plumas de ganso Daune.
Dorme calma e silenciosamente às 23 horas e somente perde a linha quando vê a filha chegar em casa às 2 da madrugada.
Sim, não resta mais quaisquer dúvidas: eu sou adotada!

L.C.

Nenhum comentário:

Postar um comentário