quarta-feira, 28 de julho de 2010

Comentário sobre o livro: “Medidas socioeducativas em meio Aberto: a experiência de Belo Horizonte. Volume 2 – Caderno de Relatos”. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Belo Horizonte, 2010.


       Não recordo-me com exatidão o dia em que iniciei a leitura do livro de capa verde em três tonalidades no alto das suas cento e vinte e quatro páginas.
       Com precisão posso apenas afirmar que as suas mensagens muito contribuiram para a constante formação do meu perfil profissional, bem como para o meu lado subjetivo. Ademais, contribuiu também para a retomada do processo de estudos acerca das medidas socioeducativas e toda a temática que a circunda, iniciada nos idos de 2002.
       Minha experiência no trato com adolescentes autores de atos infracionais, sob um aspecto temporal, foi breve, porém muito expressiiva.
       A uma, porque foi a primeira experiência de estágio, a qual despertou o desejo de vir a tornar-me Defensora Pública.
       A dois, porque a Justiça Penal Juvenil é matéria relativamente recente (data do início da década de 90 a adoção da Doutrina da Proteção Integral, a favor das crianças e adolescentes brasileiros), e em sendo assim, os estudiosos, ativistas, operadores do Direito ou qualquer outro entusiasta dessa seara, vêm se dedicando com afinco e exaustão na discussão e apresentação de novas possibilidades para a justiça especializada no público infanto-juvenil.
       Retornando ao assunto principal do post [embora eu tenha dito quando iniciei o blog que não trataria de Direito, defendo que nada é estático, sobretudo, posicionamentos, rs!], por razões de ordens práticas passei novamente a dedicar-me sobre a responsabilização socioeducativa dos adolescentes em conflito com a lei e assim iniciei a leitura do livro “Medidas socioeducativas em meio Aberto: a experiência de Belo Horizonte. Volume 2 – Caderno de Relatos”, cujo qual aborda a experiência da capital mineira na execução das medidas socioeducativas cumpridas em meio aberto.

       Para melhor esclarecimento, a Lei nº 8069/1990, popularmente conhecida como “Estatuto da Criança e do Adolescente”, veio a normatizar direitos e deveres das crianças e adolescentes, além de prever-lhes medidas de proteção e medidas socioeducativas aos adolescentes que tenham cometido atos infracionais análogos aos delitos tipificados no Código Penal brasileiro.
       O artigo 112 assim dispõe:

"Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços a comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI".
(BRASIL, 1990).

       De tais medidas, apenas a Semiliberdade e a Internação prevêem a privação da liberdade do adolescente infrator, somente para aquelas situações de caráter excepcional e por breve período de tempo, condicionado o seu cumprimento em estabelecimentos de custódia estatal próprios para a institucionalização de adolescentes.
       Dessa forma, as demais medidas são cumpridas em meio aberto, isto é, em liberdade, sendo que as medidas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços a Comunidade (PSC) apresentam continuidade no seu cumprimento, não se extinguindo apenas com o ato único de advertência verbal (inciso I, art. 112 e art. 115, do ECA) ou com a reparação, ressarcimento ou outro meio que resgate o prejuízo da vítima, como na medida prevista no inciso II e art.116, do ECA.

       A Liberdade Assistida (art. 117 do ECA) é aplicada em conformidade com o entendimento do Juiz de Direito como sendo a mais adequada para o ato infracional cometido, suas circunstâncias, os seus reflexos para determinado adolescente e para a sociedade, buscando sempre atender as especificidades do caso sob seu julgamento. Trata-se, pois, do acompanhamento, orientação e auxílio por pessoa qualificada e habilitada como Orientadora Social, agindo em conformidade com o que foi acordado com a equipe técnica (composta de assistentes sociais e psicólogos) e com o atendimento dos interesses e necessidades que o adolescente autor de ato infracional demandar.
       Em tal obra, algumas experiências foram detidamente apresentadas nas narrativas dos Orientadores Sociais da LA. De certo que os testemunhos dos adolescentes igualmente mereceriam registros, o que veio a ser realizado em material audiovisual.
       Na maioria dos relatos foram indicadas as dificuldades no cumprimento da LA. As dificuldades das dos tipos timidez, rebeldia, desconfiança, agressividade, indisciplina etc., são características próprias do público com essa faixa etária, independentes se em cumprimento de medida ou não. Não se olvide que acentuadas por esse fator, porém, não por ele determinado.
       Ao revés, foram abordadas situações em que a LA promoveu verdadeira mudança de postura do adolescente e, até mesmo, em sua perspectiva de vida. E isso é o que mais me fascina! Essa porta, antes cerrada, gradativamente foi entreaberta pela possibilidade de novas experiências e, quando finalmente aberta, apresenta-se disposta a abrigar novos formatos de agir, pensar, comunicar, portar e identificar!
       Afora que essas mudanças afetam positivamente os próprios Orientadores, conduzindo-os para o caminho de prosseguir e otimizar esse percurso. Preconceitos, discriminação, temores e inseguranças seriam deixados ao longo dessa travessia...

       No que pertine as experiências de adolescentes em cumprimento da medida de Prestação de Serviços a Comunidade, prevista no dispositivo 117 do ECA, a saber:

"A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho".
(BRASIL, 1990),

as dificuldades e vitórias foram apresentadas da mesma forma que as experiências com a LA: incisivas, francas, cautelosas e sem floreios!
       Ressalta-se que a PSC difere-se da LA em diversos aspectos, contudo, a finalidade pedagógica e de (re)inserção do adolescente ao convívio social pacífico e em consonância com o controle do Estado, é inerente a todas as medidas.
       Na PSC o cumprimento da determinação judicial se dá com a prática de atividades a favor da comunidade do território onde se encontra instalada a escola, hospital, creche ou assemelhado, condizentes com as aptidões e os limites próprios de alguém na condição especial de pessoa em desenvolvimento.
       Geralmente, as atividades mais praticadas são aquelas referentes a administração da entidade (secretaria, almoxarifado, biblioteca etc.), atividades lúdicas com crianças, prática de esportes com grupos da terceira idade, cultivo do solo com o plantio de hortas etc.
        Entende-se que as benesses da PSC são tanto de caráter coletivo, ou seja, em prol da comunidade, ao buscar reparar o ato infracional cometido, como para o próprio adolescente, na medida em que fortalece a sua auto-estima e a sua identidade enquanto cidadão nacional, motivando-o a profissionalizar-se, dentre tantos outros fatores que contribuam para a sua formação pessoal e profissional.

      Ante as experiências relatadas, é inegável não se crer que as medidas alternativas ao aprisionamento, quando executadas em conformidade com o apregoado pela Constituição Brasileira de 1988 e outros ordenamentos afins que têm a democracia e a dignidade da pessoa humana como seus princípios orientadores, são as que melhores traduzem a palavra oportunizar.
      


                                                       Lívia Cândido
OAB/MG 121482

[texto adaptado para o blog; 28/07/2010]


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