domingo, 21 de outubro de 2012

Vida sem Liberdade é passarinho na gaiola: não canta, lamenta...


Passo a atender mais um adolescente suposto autor - porquanto ainda não condenado por sentença transitada em julgado - de Homicídio. 
Tráfico, roubo e demais crimes/atos infracionais que estejam associados a ganhos e lucros de caráter monetário, recaem na habitualidade, considerando serem mais recorrentes. Crimes contra a vida são menos frequentes, e despertam e convocam o Sistema de uma forma ímpar.

Não emito juízo de valor sobre os contornos do ato em si. Não [me] permito que princípios, moral e blablabla influenciem o meu trabalho. Sou operadora do direito, e como tal devo agir. A verdade que interessa a mim é aquela discutida no processo; a principal versão da verdade que interessa a mim é aquela apresentada pelo acusado. Considerando que meu trabalho naquele espaço é acompanhar a execução da medida socioeducativa, bem como os processos em instrução, funciono como Assistente jurídica, com atribuições diversas das de um procurador particular. E defendê-los não compete a mim, mas sim a Defensoria Pública ou a um colega constituído. Tenho, pois, que subsidiá-los com informações sobre o trâmite processual, estabelecer parcerias com pessoas e/ou órgãos outros que igualmente acompanham o cumprimento da medida, viabilizar e facilitar o cumprimento desta, atender demandas outras, tanto pessoais quanto da equipe multidisciplinar a qual pertenço.

De todo modo, o Homicídio é um crime/ato infracional que desperta atenção, e, socialmente, comoção no que pertine a vítima e seus familiares, e repulsa pelo autor. 

Entende-se o Homicídio como o ato de violência mais genuíno, vez que atinge a humanidade no seu âmago, ao destituir-lhe o bem dito maior: a Vida. 

Dessa vez, decido posicionar-me: não há bem maior que a Liberdade! Para quem trabalha com o seu cerceamento, ocupe a posição que ocupar no Sistema, é surpreendente observar o valor conferido a esta, cujo qual, em muitas situações, é mais evidente do que aquele conferido à própria Vida.

Não raro são noticiadas fugas cinematográficas como tentativas frustradas - ou não! - de ver-se em meio aberto. Já presenciei situações em que a integridade corporal era a que menos valia: o corpo em fuga sendo retalhado pela concertina, agentes de segurança tentando impendí-la, e, com o emprego da força, tornando os retalhos no corpo machucado ainda mais evidentes. Ouvi narrativas pormenorizadas de pessoas que perderam a Vida em tentativas de fugas sem sucesso.

Liberdade não compreende somente a locomoção, vai além. Liberdade em falar o que deseja, quando desejado, da forma como se deseja; liberdade em alimentar-se quando preferir, e do que desejado; liberdade de ter seus pertences pessoais e abrigá-los  da forma como preferir. Em suma: Liberdade em agir, em deixar de agir, em sentir, em ter, Liberdade em ser alguém com Dignidade!

Nessas horas emergem as indagações/afirmações:
- Eles estão em cumprimento de "pena"! Queriam o quê? Tratamento de hotel cinco estrelas?
- Pensassem nisso antes de agirem!
- Ainda é pouco! Deveriam fazer-lhes sofrer como sofreu a vítima e ainda sofrem suas famílias!
- Queria ver se fosse com você ou com alguém da sua família... duvido que pensaria assim!
Igualmente defendo o livre direito das pessoas pensarem de tal forma, e assim manifestarem seus sentimentos. Com o mesmo afinco defendo os ditos "algozes" e seus direitos, não olvido, porém, seus deveres. Defendo a Liberdade externada em todas as suas formas, cores, vozes, sentidos e sentimentos! É a partir de uma escolha l.i.v.r.e que sou Advogada!

O que difere, no caso do atendimento do autor de Homicídio, é defender-lhe a Dignidade da Vida diante da perda da Vida de outrem. Ouso dizer que passo a trabalhar com o vivo, posto que ao morto o trabalho vai além do meu alcance! 
Busco fazer com que reflitam sobre o ato e seus precedentes, motivos, circunstâncias, pessoas e consequências, conferindo-lhes, sobretudo, a Liberdade de concluírem tal reflexão como quiserem ou conseguirem.

Passei da fase de tentar ressocializá-los e reintegrá-los. Estas não são funções inerentes ao meu cargo, é de toda uma coletividade, seja ela a de técnicos, a de segurança, a institucional, a comunitária, e, numa visão romantizada, social! 
Naquele espaço e naquele momento, meu trabalho é essencialmente Humano: é a defesa de Direitos e a execução de Deveres. Uma tentativa de conferir humanidade a quem a perdeu - ou nunca a teve! - em seu percurso de Vida, vindo a agir sobre a Humanidade do outro da forma mais desumana! Nada mais contraditório...

Porque eu acredito nesse trabalho, é que ainda permito-me, domingo a tarde, dedicar a ele um espaço no meu 'quarto de despejo' !
E domingo a tarde, entre reflexões, "Quarto" - o livro, sentimentos, Facebook On line, "Açaí" - a música e pesquisas no Google, percebo que a Justiça Restaurativa pode estar com a razão [ou emoção!]!


Que sejamos Vida, sejamos Liberdade, sejamos Humanos, tenhamos Humanidade!

L.C.


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