Continuo a ser eu próprio, como antes, inimigo declarado da
realidade existente, só que com uma diferença: eu parei de ser um teórico, eu
venci, enfim, em mim, a metafísica e a filosofia, e entreguei-se inteiramente,
com toda a minha alma, ao mundo prático, ao mundo dos factos reais.
Acredite em mim, amigo, a vida é bela; agora tenho pleno
direito de dizer isto porque parei há muito tempo de olhá-la através das
construções teóricas e de conhecê-la somente em fantasia, pois experimentei
efectivamente muitas das suas amarguras, sofri muito e entreguei-me
frequentemente ao desespero.
Eu amo, Paulo, amo apaixonadamente: não sei se posso ser
amado como gostaria que fosse, porém não me desespero; sei, pelo menos, quem tem
muita simpatia por mim [...].
Amar é querer a liberdade, a completa independência do
outro; o primeiro acto do verdadeiro amor é a emancipação completa do objeto
que se ama; não se pode amar verdadeiramente a não ser alguém perfeitamente
livre, independente, não só de todos os demais, mas também e, sobretudo,
daquele de quem é amado e a quem ama.
Esta é a profissão da minha fé política, social e religiosa,
aqui está o sentido íntimo, não só dos meus actos e das minhas tendências
políticas, mas também, tanto quanto me é possível, da minha existência
particular e individual; porque o tempo em que poderiam ser separados estes
dois géneros de acção está muito longe da gente; agora o homem quer a liberdade
em todas as acepções e em todas as aplicações desta palavra, ou então não a
quer de modo algum; querer a dependência daquele a quem se ama é amar uma coisa
e não um ser humano, porque o que distingue o ser humano das coisas é a
liberdade; e se o amor implicar também a dependência, é o mais perigoso e
infame do mundo porque é então uma fonte inesgotável de escravidão e de
embrutecimento para toda a humanidade.
Tudo que emancipa os homens, tudo que, ao fazê-los voltar a
si mesmos, suscita neles o princípio da sua vida própria, da sua actividade
original e realmente independente, tudo o que lhes dá força para serem eles
mesmos, é verdade; tudo o resto é falso, liberticida, absurdo. Emancipar o
homem, esta é a única influência legítima e bem-feitora.
Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos – que não
são mais que mentiras; a verdade não é uma teoria, mas sim um facto; a vida é a
comunidade de homens livres e independentes, é a santa unidade do amor que brota
das profundidades misteriosas e infinitas da liberdade individual.
[carta do ativista revolucionário russo Mikhail Bakunin (1814-1816) ao irmão Paulo, em 29 de março de 1845]
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