terça-feira, 28 de janeiro de 2014

"Faça-me ficar", por Ricardo Coiro

Peça-me para ficar. Diga-me que ainda existe alguma garrafa de vinho perdida no seu armário sempre vazio e que meu queijo preferido ainda não estragou. Convença-me a não abrir a porta e, se for necessário, puxe-me pelos cabelos.
Conte-me, ao pé do ouvido, qualquer história longa, do tipo que só tem graça quando dita com o auxílio da sua voz. Faça-me rir e se, apenas com palavras não conseguir, abuse da sua melhor careta. Peça-me para não sair. Convide-me para uma degustação de pipocas, para um rodízio de brigadeiros, para uma harmonização de refrigerantes e, num piscar de olhos, antes que eu tenha tempo para descolar minha bunda do seu sofá, dê o play em algum filme bem demorado, do tipo que não perco nem em dia de final de campeonato.
Peça-me uma massagem em cada canto e um beijo em todo ponto. Diga-me para ficar. Convença-me a desmarcar o trabalho, o dentista, os próximos capítulos do livro e, se possível, desfaça a questionável significância do dia de amanhã. Aponte para o céu azul e, sem medo da mentir, diga que um tornado logo virá e que, por isso, é melhor nos escondermos sob o escuro do seu edredom. Peça-me alto, sem desviar suas retinas das minhas e, quando eu ameaçar baixar o olhar, segure-me firme pelo queixo ou pela nuca. Não implore. Não fique de joelhos. Não derrube lágrimas. Não ameace cortar os pulsos. Apenas, com jeitinho, peça-me para ficar.
Esconda minhas roupas e não me deixe sair pelado, por favor. Engula a chave da saída e o choro, se puder. Esquente o termômetro no abajur e, com timbre manhoso de uma criança que não quer ir para escola, peça-me para cuidar de você. Não me deixe olhar para o relógio e, muito menos, lembrar do enorme erro que cometeu. Distraia-me com sua menor calcinha ou com seu maior abraço. Engula-me com seus lábios macios e, se nada disso adiantar, pegue-me desprevenido e me algeme abruptamente. Peça-me para ficar, pois, apesar da enorme decepção que me deu de bandeja e do orgulho que, agora, insiste em dirigir meus atos contraditórios: eu ainda sou demasiadamente louco por você.


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