terça-feira, 13 de julho de 2010


A Lucidez Perigosa

Clarice Lispector


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:


é uma lucidez vazia, como explicar?


Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.


Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.


E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.


Além do que:
que faço dessa lucidez?


Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.


Pois sei que
- em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.


Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.


Eu consisto,
eu consisto,
amém.

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