sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

fé cega, faca amolada


Não sabia precisar o que a mãe fazia para garantir o sustento dos dois outros irmãos. Cogita ela ocupar-se, à época, com vendas, ou seria mais uma empregada doméstica dos dias atuais. Com precisão, bastava-lhe ser a sua Mãe.

"À época" remonta para os seus 5 anos. O irmão, 7, e a pequena, 1 e poucos meses.
Tinha as pretensões de qualquer menino: ser aviador ou "polícia". Para tanto, jogava bola no campo de futebol de várzea quando matava aula.

A mãe ocupava-se também de brigar com o seu padrasto. 
Recorda-se de algumas discussões, apesar de pouco ou nenhum comentário fazer, muito embora os seus olhos demonstrassem terem presenciado cenas fortes de violência.

Certo dia (ou noite, não se recorda bem), ouviu o portão ranger ainda mais grave e assustou-se. Levantou-se rápido do sofá e correu para o quarto após ouvir um estampido seguido do grito de horror de uma voz familiar, possivelmente, da sua tia. 

Recorda-se do irmão não estar em casa, provavelmente encontrava-se na rua, roubando manga dos vizinhos ou realizando uma outra traquinagem de menino. A irmã, por sua vez, estava sob os cuidados de uma outra sua tia, enquanto a mãe lavava as roupas ou preparava o jantar, não sabendo precisar. E, ele, a essa altura, encontrava-se debaixo da cama, em profundo silêncio e com os olhos vidrados, a espera dos fatos seguintes.

Os fatos que se seguiram resumem-se numa porta sendo arrombada com um ponta-pé, 
a sua mãe, assustada,  vindo do fundo da casa saber o que acontecia, e o seu padrastro desferindo-lhe inexatos três ou quatro disparos de arma de fogo, à queima roupa, sem qualquer chance de defesa e sem a emissão de qualquer som de dor por parte da vítima.

Assume os cuidados dos três órfãos a avó, mulher sofrida e, agora, um pouco além, com as violentas e impunes perda das filhas ("viúva", quando morre o marido; "orfão", quando perde-se os pais, mas para a perda do filho não há Aurélio que o defina...).

Segue a vida sem maiores acontecimentos até essa avó vir a sofrer com um câncer. Nova perda, nova dor. Assume a tia os cuidados dos três, agora não tão menores. Passam a ter nova composição familiar, com dois primos ocupando o lugar de novos irmãos. É através de um desses primos que conhece as tais "forças ocultas", descobrindo que o mundo vai muito além do que se vê, sendo, pois, iniciado na Magia Negra.

Nos rituais que passa a participar, conhece Exu Malandro, cujo qual, entre um charuto e cachaça baratos, promete-lhe fortuna, amor, sucesso e o padrasto diante de si. 
Em troca, que mantivesse os seus vícios e que ofertasse a sua própria vida àquela entidade. Proposta feita, proposta aceita! 
A fortuna, o amor e o sucesso eram dispensáveis frente a vontade de ter aquele que tirou a vida da sua mãe há quatro anos, à sua disposição.

Em dia com suas obrigações, pouco tempo depois veio o irmão ao seu encontro, mandando calçar rápido o tênis, esconder a .40 e partirem juntos sem muito alarde.

O padrasto, ajoelhado, suplicava por sua vida. 
Os irmãos, à sua frente, mostravam-se indiferentes.
Ele nada ouvia além do ranger do portão, do estampido no quintal, da porta sendo arrombada e dos três ou quatro tiros ao final.
O irmão, muito provavelmente por não ter presenciado toda a cena do passado, deu-se ao trabalho de questionar à vítima em potencial a razão para preservar-lhe a vida uma vez que não teve o mesmo cuidado com a da sua então mulher, e, coincidências à parte, mãe dos seus irmãos.
A vítima em potencial, desprovida do argumento que respondesse à altura o questionamento, apenas chorava e repetia não ter tido culpa. 

Vitorioso, Exu Malandro somou novos mimos e nova vida à sua coleção.

L.C.
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História narrada pelo adolescente em cumprimento de MSE, B..

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