Tenho um desejo voraz em descobrir o novo.
Hoje refiro-me especificamente ao novo contido nas histórias que os livros contam.
A minha brinquedoteca, quando criança, também abrigava dentre Barbies, Geleinha e Lego, livros.
Ainda sem saber ler, recordo-me de ser presenteada com historinhas infantis das mais populares: Os Três Porquinhos, A Bela Adormecida, Dumbo, etc. Eu os manuseava, entretendo-me com as gravuras, e para elas inventava novas e ainda mais graciosas historinhas! Lembro também de um livrinho que podia ser levado para o banho. Neste não havia historinha alguma, apenas o desenho de um patinho amarelo e alguns objetos. Era proposital a falta do conto; à criança recaia o dever de criar fantasias! E como era divertido!
Com tal incentivo, muito cedo descobri o amor às letras, palavras, orações e histórias. Ao revés, odiava números, raízes, porcentagem, e qualquer combinação entre eles, da álgebra a geometria!
O Português sempre me encantou, por mais complexa a nossa língua sempre se apresentou.
Recordo-me que aos cadernos de Português reservava os mais bonitos adesivos e as canetas mais caloridas, e aos professores dessa disciplina, ofertava o meu mais bonito bom dia!.
Minha mãe não se cansava de promover o meu amor pela língua e seu universo, e assim, não me recordo o número exato de gibis e agendas que fui agraciada com o decorrer do tempo...
Recordo-me que o amor a Turma da Mônica era evidenciado na minha lancheira escolar – era a carinha da Mônica – , na minha mochila de rodinhas, e nas muitas vezes em que eu visitei o Parque de Diversões da Turma da Mônica, ainda em Brasilia/DF. Quanto às agendas – ai comportando diários e cadernetas - , são ainda mais vagas as lembranças de quantas tive! Lembro de duas delas: uma da Minnie, de cor laranja-neon, e a outra dos 101 Dálmatas, onde, iniciando a adolescência, passei a confidenciar-lhe os meus segredos. Há pouco tempo a encontrei, reli e envergonhei-me! Mas a guardei, mesmo assim, para dela me envergonhar no futuro, com a minha mais bonita vergonha.
Recordo de A Ilha Perdida marcar uma fase da minha vida: a minha chegada a Minas. A maioria dos demais livros da coleção Vaga-lume também foram lidos.
Com incertos onze anos eu li A Balada do Primeiro Amor. Eu, à época, iniciada na adolescência, e, estando apaixonada por certo alguém, acreditei piamente que aquela história fora escrita para mim, digo, para nós!
Nessa idade, um professor muito querido e inesquecível, o saudoso Airton Garizo Becho, promoveu a Oficina da Escrita para a minha turma, a 6a série. Tratava-se de uma espécie de redação em três atos.
Não me recordo bem do meu primeiro tema, acredito que tenha sido a narrativa dos onze primeiros meses de vida de uma criança contados por ela mesma. Em outra oportunidade, recordo ter escrito minha primeira ficção, na qual um judeu narrava os horrores vividos na 2a Guerra Mundial, mesmo sem tê-la estudado nas aulas de História. Uma crítica sobre um livro que tratava de assunto semelhante na revista IstoÉ despertou-me interesse e a partir daí nasceu tal atrevimento!
Por fim, o meu último tema na Oficina da Escrita foi a narrativa da história de vida do músico Rafael Ilha, ex-integrante do grupo Polegar. Peculiar tema emergiu do meu amor infantil pelo tal grupo, ainda na capital nacional. À época, o ex-Polegar vivenciava um momento difícil de sua vida (vício em entorpecentes), o que me causou grande comoção e desejo de fazer sua biografia não autorizada e, creio eu, na minha primeira causa advocatícia!
Seguido do Airton, recordo de outros dois Professores: Agostinha e Tarcísio, este último já no ensino da escola pública. Lecionaram Matemática o... a... aquele... Lembro do Professor Rogério, porque fora ele o responsável por minha única recuperação! Contudo, era um querido, mesmo com tamanho mau-gosto na sua matéria. Se bem que Rogério não era graduado em Matemática, mas sim em Engenharia.
Ao Tarcísio, cheguei a externar minha admiração por sua pessoa: no 1o ano do Ensino Médio fiz uma cartinha declarando o quão bom Professor era ele, o quanto as suas aulas me faziam bem e etc. Não foi uma declaração de amor ao homem Tarcísio, vejam bem, embora eu acredite que na época foi o que ele entendeu. E então, com seu pouco mais de um metro e meio de tamanho e óculos fundo de garrafas, passou a me encarar com certa timidez... Era sim um Professor dedicado, apaixonado pela Língua e pela arte de educar, e eu, com meus 13 anos de vida, já me via encantada com tudo isso e quis apenas externar esse encantamento, sendo mal compreendida ao final. Anos depois eu encontrei tal Professor fazendo caminhada na mesma pista que eu, e após apresentar-me os seus filhos, provocado, disse – enrubrecido – não se recordar de tal carta.
Ora vejam que o amor pelo Português foi ainda mais fortalecido quando eu passei a estudar Inglês! Mesmo com todas as oportunidades que tive, preferi estudar Violão e Jazz, renegando tanto quanto possível o estudo de uma segunda língua por acreditar que estaria traindo a minha original.
Esse é o momento das gargalhadas e risinhos debochados, eu sei! Mas era assim que eu pensava, e do que muito me arrependo por assim ter agido! Mesmo contando com os incentivos e alfinetadas de um querido Professor de Inglês, o Carlos, eu olvidei o estudo do Inglês por acreditar que era do Português que me valia respirar! Padeço de asma desde então.
Orgulho-me de ter conhecido todas as bibliotecas onde passei. Afirmo isso com um sorriso bem largo atravessado nos lábios, acreditem! Nestes espaços, muito além do conhecimento fiz amizades com pessoas que muito contribuíram para o que hoje sou. Em muitas delas, o limite máximo de empréstimos era de duas obras, e eu sempre conseguia levar para a cama três ou quatros “amores”! Não eram amizades interessadas, não interpretem mal. Acredito que aqueles bibliotecários viam em mim o amor pelas letras e contribuíam para ele! Eu também não vacilava: cuidava dos livros que tomava como empréstimos como a um filho, e os devolvia muito antes do prazo determinado. Recordo-me que vezes – poucas – por esquecimento, noutras mesmo por apego a obra, não tê-las devolvido no tempo determinado, e por isso, ser apenada com suspensão de novos empréstimos, o que me causava uma pontinha aguda de vergonha e uma dor pungente de saudade...
Atualmente, a minha maior amizade neste espaço é a querida Fabiana, que, mesmo transigindo regras, vem contribuído para a sobrevivência desse meu amor! Ora vejam os senhores o privilégio que tenho eu em contar com uma biblioteca ao lado – literalmente- do meu trabalho! Não raro dou uma fugidinha durante o expediente para aquele ambiente, com cores, cheiros e texturas tão variados! Ao menos nisso permaneço compulsiva.
Na faculdade, o amor a leitura me acompanhou, e ali fiz amizades que, mesmo distantes, levarei comigo para sempre! Amizades com pessoas e obras, todos inesquecíveis!
Recordei agora que a minha primeira investida virtual foi na biblioteca: eu ainda não possuía uma conta de e-mail, e dentro da biblioteca da PUC, eu e uma amiga criamos o liviabiblis – biblis de Biblioteca! - @bol.com.br, endereço este nem mais existente, ainda bem, porque constrangedor!
O que me deixa realmente triste foi não ter lido obras clássicas. Não sei por qual motivo não me sugeriram a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Quixote, Casa Grande-Senzala, nenhuma de Machado de Assis, Cecília Meirelles, Castro Alves... Isso me causa certo desconforto e estranheza, e mesmo ante a oportunidade de hoje finalmente lê-los, penso que não terei o mesmo prazer que teria ao saboreá-los naquela faixa etária. Portanto, levo esse gostinho amargo da tristeza para sempre, ou para quando eu mude esse meu modo de pensar e enfim venha provar daquilo que muitos comentam terem gostado. O que me consola é ter conhecido e me apaixonado por Jorge, o Amado, com o perdão da infâmia no trocadilho! Salve Jorge, salve!
Do Português, nasceram os amores a música e ao Teatro. Ambos estiveram juntos quando pisei pela primeira vez no palco, aos 6 anos de idade e ainda em Brasília, “interpretando” uma música da Mara Maravilha. Sobre a música, ainda muito jovem apreciava Chico Buarque e Vinícius de Moraes pela beleza de suas composições. E no que concerne ao teatro, aos 13 anos me atrevi a escrever peças teatrais. Era bem sucedida porque além de ter enorme prazer naquela atividade, contava com duas grandes amigas – Bebel e Paulinha – que destemidas, encenavam minhas peças como se fossemos profissionais. Bons tempos, aqueles! Merda para vocês!
O que posso afirmar é que o meu amor pelo Português me acompanhou os anos de vida. Quando aos 16 anos eu fui prestar Vestibular, não deu outra: Direito! É, Direito!
Talvez movida por um desejo de perpetuar o amor às leis entre os meus pais, ou quem sabe movida pelo desejo de enriquecer num futuro próximo de cinco anos, ou pior, contaminada pela ilusão que o poder do Direito desperta, eu optei por pleitear uma vaga na cadeira de Direito na Federal mineira, para finalmente ser aprovada na Católica no ano seguinte.
Não me recordo de ter pensado em fazer Letras, não mesmo. O cursar Direito era um desejo infantil, cativado por minha mãe, e incentivado por idéias próprias, hoje sabidamente absurdas e muito distantes da realidade. Não que eu renegue o curso, disciplinas, autores, Professores, e todo o seu universo, não é bem isso. Também não sei dizer ao certo o que vem a ser. O que posso afirmar com certa clareza é que no Direito o que mais me causa interesse é a sua ciência e o seu desvendamento. Curto muito mais discutir a hermenêutica jurídica do que aplicar a lei! Sim, eu confesso preferir a teoria à prática! E não vejo mal algum nisso, muito pelo contrário, acredito que para aplicar o Direito é preciso que se discuta antes as suas diversas correntes, características, equívocos, virtudes e reflexos. Ao meu ver, aplicar a lei sem conhecer ao máximo o que se aplica, é descomprometer-se com a realidade e com os direitos e deveres dos sujeitos sociais.
Ninguém ouse me perguntar quantos livros eu li até os dias atuais. Para ser bem franca, não me recordo quantos li neste ano... Não que não tenham marcado, despertado sentimentos ou algo além, mas sinto dizer que a minha memória é a minha maior algoz! Não a toa deixo de citar os autores das obras por ora mencionadas, e por isso, peço sinceras desculpas.
Ultimamente tenho lido mais artigos do que obras, essa é a realidade. Por ter o meu tempo e idéias cada vez mais comprometidos, me ative a artigos científicos das ciências sociais e do Direito, naturalmente. Como literatura diversa, tenho lido pequenos trechos de Caio Fernando Abreu, Martha Medeiros, Ana Jácomo e Fabrício Carpinejar. Como amores confessos, indico Rubem Alves e Clarice Lispector.
Porque anotadas na minha agenda cito as minhas mais recentes descobertas, estas nos meses de fevereiro e março do ano em curso: Preciosa, Ao som do mar e a luz do céu profundo, A Queda para o Alto, Férias, Teologia do Cotidiano – meditações sobre o Momento e a Eternidade, e os ainda correntes Cem Anos de Solidão, Doidas e Santas e Morangos Mofados.
Só não permito-me renunciar ao gosto que o atravessar de páginas proporciona por saber que nele me encontro cada dia um pouco mais...
Lívia =]
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e é ainda naquele teu adeus que chora hoje minha saudade
e é ainda naquela tua partida que estou indo por atalhos à tua chegada.”
Herzer
Com toda a minha humildade, dedico o presente a memória de S.M.Herzer, recém descoberta por mim, contudo, há muito amante das palavras, das gentes e dos sentimentos, dos mais sofridos aos mais (re)compensadores. A você e a sua história de vida, Herzer, toda a minha admiração e o meu mais sincero gesto de carinho.
Que o seu perder-se em nuvens confira a paz e a compreensão que a vida não lhe proporcionou.